quinta-feira, 28 de abril de 2011

Sonhos




...

Eu vinha de comprar fósforos
e uns olhos de mulher feita
olhos de menos idade que a sua
não deixavam acender-me o cigarro.


Eu era eureka para aqueles olhos.


Entre mim e ela passava gente como se não passasse
e ela não podia ficar parada
nem eu vê-la sumir-se.


Retive a sua silhueta
para não perder-me daqueles olhos 

que me levavam espetado

E eu tenho visto olhos !


Mas nenhuns que me vissem
nenhuns para quem 

eu fosse um achado existir
para quem eu lhes acertasse 

lá na sua ideia
olhos como agulhas de despertar
como íman de atrair-me vivo
olhos para mim!


Quando havia mais luz
a luz tornava-me quase real o seu corpo
e apagavam-se-me os seus olhos
o mistério suspenso por um cabelo
pelo hábito deste real injusto
tinha de pôr mais distância entre ela e mim
para acender outra vez aqueles olhos
que talvez não fossem como eu os vi
e ainda que o não fossem, que importa?


Vi o mistério!


Obrigado a ti mulher que não conheço.





ALMADA NEGREIROS (1893 - 1970)


e é isso
não tem desespero não


beijo


aNTONIocARLos
2o11

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