"Casada, feliz e fiel.
Ainda que para alguns pareça improvável, essa mulher existe.
Venera o filho, adora o marido, cultua a família.
Ela se chama Luísa, tem 31 anos e uma beleza discreta: é morena-clara, tem os cabelos compridos cacheados e o tipo mignon.
Pensando que eu pudesse entrar em sua vida, me apaixonei por ela.
Já faz quase três anos.
Cheguei a me declarar, ela não me deu esperanças, mas continuo sob o impacto dessa paixão.
Luísa causa em mim uma perplexidade de criança, às vezes sagrada, às vezes profana.
Ao vê-la, me sinto diante da própria Eva, linda, divina e proibida.
Mas eu não sou Adão e sim o chefe dela, felizmente com mais pudor do que poder -no meu lugar, um cretino poderia assediá-la covardemente.
...
Há quatro anos, trabalhamos juntos em uma agência de publicidade.
Eu sou diretor da área de criação e Luísa uma das redatoras da minha equipe.
Já nos conhecíamos há um ano, quando ela invadiu meu sossego como uma aparição.
...
Era sábado. Agosto de 2000.
Era Copacabana.
Estávamos no apartamento de uma amiga da agência, que ia tentar a sorte em uma empresa rival e reuniu os colegas para um bota-fora.
No dia-a-dia, Luísa anda produzida, com um pouco de maquiagem.
Na festa, apareceu de cara lavada, cabelos presos, usando um vestido florido, simples.
Levou o filho de 5 anos, me passou um ar maternal.
Não sei explicar o que senti.
Quando a vi sem a moldura do ambiente de trabalho, implodi de paixão.
Dali em diante, Luísa seria para sempre.
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No dia seguinte, eu já não a via como uma colega de trabalho como as outras.
Mas comecei a me policiar, achando que era empolgação.
Em qualquer lugar do mundo, é uma situação delicada o chefe se apaixonar pela funcionária.
Além disso, eu também era casado há oito anos, pai de um menino de 7, embora a relação com minha mulher estivesse em crise, justamente porque eu sentia falta de paixão.
Meu casamento seguiu normalmente, mas eu pensava em Luísa de manhã, de tarde e de noite.
Meses se passaram e a paixão não diminuiu, ao contrário.
Talvez por eu não ter desabafado com ninguém, só aumentou.
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No trabalho, eu 'namorava' Luísa de longe, e extravasava minha paixão vendo filmes românticos, ouvindo música.
Quando você se apaixona, passa a perceber as letras de um jeito diferente.
De repente, ouvir Djavan cantando 'Sabe lá, o que é morrer de sede em frente ao mar?' fazia mais sentido do que nunca.
Ou a música com o nome dela [Luiza, de Tom Jobim]: 'Escuta agora a canção que eu fiz pra te esquecer, Luiza, eu sou apenas um pobre amador, apaixonado, um aprendiz do teu amor'.
Guardei essa paixão em segredo durante um ano.
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Só quando agosto voltou, em 2001, pensei:
' Tenho de desabafar com alguém'.
Fui tomar um chope com um amigo do trabalho e contei tudo.
Ele ficou de olhos arregalados e queixo caído.
Começamos a discutir a idéia de eu dividir meu sentimento com Luísa.
Foram vários chopes durante vários dias.
Meu amigo é um sujeito discreto, não opinou muito, apenas me alertou para o risco profissional que eu corria, caso ela interpretasse a declaração como assédio.
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Mas eu quis correr o risco.
De vez em quando eu almoçava com Luísa e com clientes da agência.
No dia em que completou um ano que eu tinha me apaixonado, inventei um almoço com um cliente que não existia, para provocar um encontro a sós com ela.
Escolhi um restaurante onde nunca havia estado com outra mulher e quase desisti.
Luísa, com seu charme, parecia resumir todas as mulheres com quem já sonhei:
Ava Gardner e sua sexualidade selvagem, Catherine Deneuve e sua classe inatingível, Andie MacDowell e sua ternura irradiante, Emmanuelle Béart e sua ingenuidade maliciosa...
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Eu pensava que nenhuma mulher pudesse sintetizar tantas beldades.
Luísa pode.
Ela, ali, candidamente desavisada, me intimidava.
Quando percebeu que não viria cliente algum almoçar com a gente, eu disse que precisava fazer uma revelação.
Notei que ela ficou assustada, achando que seria demitida.
"Me apaixonei por você, Luísa", desabafei, aliviado.
Ela ficou muda, paralisada.
Depois baixou a cabeça.
Segui em frente:
-'Isso não é uma cantada, não é assédio'.
Luísa continuou estática, e eu, didático:
-Aconteceu há um ano.
Para você não pensar que é só entusiasmo, deixei que essa paixão tomasse conta dos meus desejos e pensamentos, até que pudesse dominá-la.
Hoje garanto que está sob controle.
...
Não vou enlouquecer.
Não vou enlouquecer você.
Não vou me magoar.
Não vou magoar você.
Não vou me desrespeitar.
Não vou desrespeitar você.
Só vou amar você, mesmo que você não me ame'.
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Depois de me ouvir em silêncio, ela disse:
-'Infelizmente, não tenho como estimular esse sentimento. Estou muito bem casada e, além disso, gosto muito do meu trabalho'.
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Eu não tinha expectativa de que sua reação fosse diferente, só queria que ela soubesse o que eu sentia.
Queria que ela entendesse que a paixão não escolhe hora, local, pessoa.
Tive de lembrá-la de que todos corremos o risco do amor repentino, e eu era apenas uma vítima dessas surpresas que o coração apronta.
Para assegurar que tinha consciência dos meus riscos, citei uma frase do escritor espanhol Antonio Gala:
-'Amar é como pegar uma arma e declarar: Tome. Só você pode me machucar'.
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Eu estava dando a Luísa a chance de destruir minha carreira, mas não minha vida.
Desarmado, tentei fazê-la entender que eu sobreviveria, mesmo a tendo perdido para seu marido seis ou sete anos antes.
Ela questionou se alguém mais sabia o que eu sentia e como eu evitaria que os outros soubessem.
Argumentei que tinha passado um ano calado e nem ela havia notado.
Passei duas horas tentando convencê-la de que nossa relação pessoal e profissional mudaria na essência, mas não na forma, pelo menos de minha parte.
Deixei claro que ela não sofreria nenhum tipo de assédio.
Ela, sim, teria o poder de me denunciar e acabar comigo.
Ainda em órbita, ela disse que eu poderia ficar tranqüilo quanto a isso, e se assustou ao ver que, àquela altura, o restaurante era só nosso.
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Voltamos à agência e, daquela tarde em diante, nunca mais fomos os mesmos - graças a Deus.
Eu e Luísa passamos a ter uma relação de cumplicidade, que a mim diverte e a ela embaraça.
Três dias depois, mandei a ela um buquê de rosas vermelhas, agradecendo sua atitude compreensiva.
Ela me mandou um e-mail dizendo 'obrigada', e deixou as flores na mesa dela.
Passei a presenteá-la com livros e CDs românticos e a mandar rosas vermelhas todos os meses, sempre no mesmo dia -aquele em que me apaixonei.
No terceiro buquê, ela disse: 'Vem cá, vai ser sempre assim?'.
Respondi que sim.
Ela me pediu para parar com os presentes porque não se sentia confortável.
Continuei apenas com as flores, por um ano, até sentir que havia fechado um ciclo, que começou no dia em que me declarei.
Não sei o que os colegas comentavam sobre as flores nem que tipo de desculpas ela dava, só sei que as pessoas ficavam intrigadas.
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Luísa nunca levou as rosas para casa.
Também não me telefonava nem passava pela minha mesa para agradecer.
Às vezes eu mandava e-mails com frases ou trechos de música que lembravam meu dilema emocional.
Ela nunca respondeu.
Durante esse tempo, teve apenas um gesto carinhoso: me deu uma foto nossa, tirada naquela festa em Copacabana.
Fiquei alegre, mas foi uma espécie de prêmio de consolação, como se ela disesse:
-'Você não pode me ter, mas tem a foto do dia em que se apaixonou por mim'.
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Eu sabia que, para ela, eu era como um daqueles andróides de 'Blade Runner', querendo o impossível: ser humano.
Nesse filme, os andróides sofrem por viver divididos entre a razão programada dos robôs e a emoção conturbada dos humanos.
Como eles, preferi deixar a razão de lado e me entregar à paixão, me expondo a todos os riscos.
Os e-mails românticos que eu mandava para Luísa, por exemplo, poderiam ser usados contra mim.
Cheguei a dizer brincando que, caso ela me denunciasse por assédio, eu teria o maior prazer em confirmar o que sentia diante de um juiz.
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No meio disso tudo, oito meses depois daquele almoço com Luísa, eu me separei.
Não foi por causa dela.
Meu casamento tinha perdido a alegria.
Resolvi terminar antes que a gente começasse a se desrespeitar.
Não contei à minha mulher que havia me apaixonado por outra.
Já basta a separação ser sofrida, não precisa ser trágica.
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Acredito que Luísa tenha se assustado com minha separação, mas não falamos no assunto.
São poucos os momentos em que ficamos a sós e não forço nenhuma situação.
Eu filtro meu acesso a ela, porque é difícil controlar o que sinto.
Quando ela vem falar comigo, ou vou à mesa dela, meu corpo estremece, meu coração dispara.
Tenho ciúmes de colegas que conseguem conversar com ela naturalmente.
Mas nossa relação profissional, como prometi, não mudou.
Já surgiram problemas no trabalho e ela levou bronca, como todo mundo.
Ela nunca usou meu sentimento para obter nenhuma vantagem, o que me deixa ainda mais encantado.
Nas poucas vezes em que falamos sobre nós, ela me disse que não havia contado nada ao marido.
De vez em quando, me pergunta se estou bem, se conheci alguém.
Eu sempre digo que, se aparecer outra mulher, não será uma substituta para ela.
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Depois que me separei, saí com algumas garotas, mas meu entusiasmo por elas não passou de um fim de semana.
Não levo uma vida monástica nem estou fechado para um novo amor: saio com amigos, freqüento bares, viajo bastante.
Quando uma mulher me chama a atenção, paquero, mas ainda não apareceu nenhuma que aplacasse o charme de Luísa e me tirasse desse labirinto.
É a primeira vez que vivo uma paixão platônica.
Aos 25 anos, me apaixonei por uma garota que tinha namorado, mas, logo que me declarei, ela preferiu ficar comigo.
Com Luísa, seria ingenuidade alimentar esse tipo de expectativa.
As pessoas comentam que ela tem um casamento ótimo.
Não conheço o marido dela nem tenho curiosidade de conhecer.
A história deles não tem a ver comigo.
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Para não dizer que não tenho esperança, me sinto como alguém em um avião, sabendo que ele está prestes a cair.
Sei que pode vir uma tragédia, mas, até o último minuto, acredito que vai acontecer um milagre e vou me salvar.
Tento não me enganar, mas às vezes, quando vou a um lugar romântico, fantasio Luísa, ali, comigo.
Já imaginei nossos caminhos se descruzando, ela se separando do marido e a gente se reencontrando no futuro.
Já passou pela minha cabeça perguntar a ela se eu teria chance, caso ela não fosse casada.
Mas preferi não mexer nesse assunto, porque a resposta, negativa ou positiva, seria dolorosa.
Se ela respondesse que não, eu ficaria chateado, claro.
Se ela dissesse que sim, aumentaria o tamanho da minha perda.
Eu sofreria ainda mais, sabendo que ela é capaz de me amar, mas não ama.
Nesses quase três anos não fiquei deprimido, só um pouco melancólico.
Dói não ser correspondido, mas essa dor não foge ao meu controle.
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Nunca tomei um porre nem fiquei ligando para ela em horas inconvenientes.
Conheço homens que viveram situações parecidas, mas tiveram desequilíbrios que eu não quero ter.
Um deles chegou a pedir demissão do emprego, outro mudou de cidade.
Eu não faria isso porque, antes de tudo, tenho amor próprio.
Posso me apaixonar sem sair por aí quebrando uma loja de cristais.
Não vou destruir minha imagem nem minha carreira.
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Quem ama não precisa dar vexame.
Muita gente tem medo de se apaixonar, porque acha que vai perder o controle.
Depois que se entrega, vê como é bom.
Toda paixão vale a pena, porque traz algum aprendizado.
No meu caso, sinto uma espécie de purificação dos sentimentos.
Eu me sinto mais compreensivo, mais calmo, menos centrado, menos desconfiado, menos malicioso.
Sem querer, Luísa me fez um favor: me tornou mais generoso.
Talvez porque qualquer pequeno gesto dela -um sorriso, uma palavra- me conforta.
E, para se contentar com pouco, você tem de aprender a dar, sem esperar nada em troca.
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Também percebi que encarar o amor como um sentimento permanente e a paixão como temporária é banalizar as coisas.
Aprendi num raio que, na paixão, a doação é total, a dedicação é absoluta.
Entra-se na relação com tudo, disposto a sair sem nada: é um milhão ou zero.
No amor, busca-se a troca, o equilíbrio.
Você entra com algo e espera sair com algo, é uma afetividade com empate.
Hoje minha paixão está calma, mas continua intacta.
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Há pouco tempo tirei um mês de férias, senti saudades de Luísa e tive de ter disciplina para não ligar para ela.
Quando a vi de novo, meu corpo tremeu, como naquela noite em Copacabana.
Não dividi esse sentimento com mais ninguém, além daquele amigo com quem desabafei antes de me declarar.
Ele acha, como eu, que minha chance de conquistar Luísa, se é que existe, é mínima.
Não sei o que a vida me reserva, mas, por enquanto, não pretendo lutar contra esse sentimento.
...
A paixão é uma fatalidade.
Pode acontecer com qualquer pessoa, a qualquer momento.
Eu apenas tento conviver com essa fatalidade da melhor maneira possível.
Quis dar esse depoimento para, mais uma vez, expressar meu amor por ela.
E para dizer ao mundo que é possível viver uma grande paixão com serenidade, sem transformar a vida num caos.
Se eu pudesse voltar no tempo, sentiria de novo tudo o que senti desde que a conheci.
Essa experiência ficou marcada na minha alma, como uma cicatriz que não quero apagar.
Talvez tenha sido uma preparação para uma paixão ainda maior.
Claro que seria o paraíso se eu pudesse ter Luísa nos meus braços.
Na pior das hipóteses, se isso não acontecer, vou levar para a velhice uma bela história para contar.
Quem acha que isso é pouco jamais sentiu algo parecido."