domingo, 30 de maio de 2010

boca errante






boca
errante



Mimosa boca errante
à superfície
até achar o ponto
em que te apraz colher
o fruto em fogo
que não será comido
mas fluído
até se lhe esgotar
o sumo cálido
e ele deixar-te,
ou o deixares,
flácido
mas rorejando
a baba de delícias
que fruto e boca
se permitem,
dádiva



Boca mimosa e sábia,
impaciente de sugar
e clausurar
inteiro, em ti,
o talo rígido
mas varada de gozo
ao confinar-se
no limitado espaço
que ofereces
o seu volume e jato
apaixonados,
como pode torna-te,
assim aberta,
recurvo céu infindo
e sepultura?


Mimosa boca
e santa
que devagar
vais desfolhando
o líquido
espuma de prazer
em rito mudo,
lenta-lambente-lambilusamente
ligada à forma ereta
qual se fossem
a boca
o próprio fruto,
e o fruto
a boca


oh chega,
chega,
chega
de beber-me
de matar-me,
e, na morte,
de viver-me


Já sei
a eternidade;

é puro orgasmo


Carlos Drummond de Andrade



em maio

2o1o

nesta eternidade
que sinto
quando
na distância de um beijo
um re-beijo
errante
nos quadrantes
de teu desejo
Saudade!



antoniOCarlos



Música : Pra você - Gal Costa

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