"Figo.
Assim eu vejo o amor.
Como um figo.
Assim que vejo a mulher.
Como um figo.
O figo não tem o caroço
apartado do sumo
como a maioria das frutas.
Pode-se engolir a semente
sem perceber.
A semente é também polpa.
Não existe o medo
de mordê-lo e trincar os dentes.
O figo é servido
para a língua,
para o beijo.
Figo é para ser lambido
ao invés de mastigado.
Com a pressão
do céu da boca,
ele se desmancha.
Figo não desperdiça o sumo.
É úmido como um pão quente.
Ele hidrata sem escorrer.
Goteja pássaros.
Não apodrece; amadurece.
Não me lembro de figo
que fique sozinho no chão.
O sol o transforma
imediatamente em terra.
Ele somente deita aos lábios,
ninguém mais.
No solo,
cai de pé,
pronto a germinar.
O figo tem os galhos
e as raízes em si.
É o coração da romã.
Vidraça para o vento desenhar.
Como a mulher,
não há alas separando os quartos,
paredes separando as sombras,
gomos separando o gosto.
O figo é inteiro, quase um fogo.
A alma é o corpo,
o corpo é a alma;
ambos se defendem
e se revezam.
Suas cores são casadas.
Por fora, um verde com azul
tal rio manso.
Dentro, o vermelho se abre
generoso ao amarelo.
A casca é um vestido fino,
um tecido suave,
que deveria ser roçado
com o rosto.
Não poderia ser chamado
de casca
mas de pele.
A casca já é parte interna da fruta.
O começo tem a lentidão
doce do fim.
A pele é saborosa
como o seu sumo.
Não se usa faca para
desenrolar a casca,
e sim a unha.
Um pouco de cuidado,
e ela se despe.
Figo não é destinado aos afoitos.
É fio de riacho
a se recolher da pedra
com a concha das mãos.
É passar da esperança,
reparando na beleza.
Figo não é o pecado,
é o pecador.
Fruta para ser apanhada
direto da árvore,
posta junto da camisa.
Não mancha,
lava o dia.
Nunca é tarde para o figo.
Nele, os turnos
estão acumulados.
Perfume da manhã
quando a manhã
ainda é noite.
Não atende a passatempos e urgências.
Exige dedicação.
Quem se aproxima do figo
não volta cedo.
O figo oferece
a intimidade da espera
entre as cortinas.
O fio são os pêlos loiros
dos telhados.
Como o amor, é macio.
Como a mulher,
é sensível.
Completa o ouvido do ramo
com a independência de um brinco.
Não se dispersa
a exemplo do colar.
O figo é o chapéu,
não a esmola.
Tem o pescoço de um violino.
O caule o mantém aceso
entre os dois mundos.
O figo não mente o seu desejo;
mente a sua idade.
Em nenhum momento
se arrepende
de ter sido."
no livro "Carpinejar"
Ah! Carlos
neste prólogo
de junho
2o1o
Música : Love's Theme - Barry White
Eu??
ResponderExcluirNem aninhos...nem anões
Me contento em fazer o mês...
a semana
o dia
mas ... me disseram
que quem sabe faz a hora
não espera acontecer...
e fazer o quê agora?