terça-feira, 1 de junho de 2010

Figo







"Figo.


Assim eu vejo o amor.

Como um figo.


Assim que vejo a mulher.

Como um figo.


O figo não tem o caroço

apartado do sumo

como a maioria das frutas.


Pode-se engolir a semente

sem perceber.

A semente é também polpa.


Não existe o medo

de mordê-lo e trincar os dentes.


O figo é servido

para a língua,

para o beijo.


Figo é para ser lambido

ao invés de mastigado.


Com a pressão

do céu da boca,
ele se desmancha.


Figo não desperdiça o sumo.

É úmido como um pão quente.


Ele hidrata sem escorrer.

Goteja pássaros.


Não apodrece; amadurece.


Não me lembro de figo

que fique sozinho no chão.


O sol o transforma
imediatamente em terra.


Ele somente deita aos lábios,

ninguém mais.


No solo,
cai de pé,

pronto a germinar.


O figo tem os galhos

e as raízes em si.


É o coração da romã.


Vidraça para o vento desenhar.


Como a mulher,

não há alas separando os quartos,

paredes separando as sombras,

gomos separando o gosto.


O figo é inteiro, quase um fogo.


A alma é o corpo,

o corpo é a alma;

ambos se defendem

e se revezam.


Suas cores são casadas.


Por fora, um verde com azul

tal rio manso.


Dentro, o vermelho se abre

generoso ao amarelo.


A casca é um vestido fino,

um tecido suave,

que deveria ser roçado

com o rosto.


Não poderia ser chamado

de casca
mas de pele.


A casca já é parte interna da fruta.


O começo tem a lentidão
doce do fim.


A pele é saborosa

como o seu sumo.


Não se usa faca para
desenrolar a casca,

e sim a unha.


Um pouco de cuidado,

e ela se despe.


Figo não é destinado aos afoitos.


É fio de riacho

a se recolher da pedra

com a concha das mãos.


É passar da esperança,

reparando na beleza.


Figo não é o pecado,

é o pecador.


Fruta para ser apanhada

direto da árvore,
posta junto da camisa.


Não mancha,

lava o dia.


Nunca é tarde para o figo.


Nele, os turnos

estão acumulados.


Perfume da manhã

quando a manhã

ainda é noite.


Não atende a passatempos e urgências.

Exige dedicação.


Quem se aproxima do figo

não volta cedo.


O figo oferece

a intimidade da espera

entre as cortinas.


O fio são os pêlos loiros

dos telhados.


Como o amor, é macio.


Como a mulher,
é sensível.


Completa o ouvido do ramo

com a independência de um brinco.


Não se dispersa

a exemplo do colar.


O figo é o chapéu,

não a esmola.


Tem o pescoço de um violino.


O caule o mantém aceso

entre os dois mundos.


O figo não mente o seu desejo;

mente a sua idade.


Em nenhum momento

se arrepende

de ter sido."


no livro "Carpinejar"




Ah! Carlos

neste prólogo

de junho


2o1o



Um homem
começa a se tornar uma ruina
quando percebe
que o seu coração
é um sentimento à deriva,
um músculo deserto
e sem fantasias,
uma afeição movediça
lutando desesperadamente
para se apegar
a alguma coisa
ou a alguém
em cada tentativa,
e cada vez mais,
naufragando solitário
em sua própria armadilha...

Duilio Gomes - Contista mineiro


Música : Love's Theme - Barry White

Um comentário:

  1. Eu??
    Nem aninhos...nem anões
    Me contento em fazer o mês...
    a semana
    o dia
    mas ... me disseram
    que quem sabe faz a hora
    não espera acontecer...
    e fazer o quê agora?

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