Maria Bethânia
O amor vale mais que uma religião;
o amor é a única religião que vale...
Que importam mesmo,
a recompensa ou o castigo?
É verossímil que Jesus,
como muitos judeus de seu tempo,
acreditasse numa vida depois da morte.
Mas também que percebeu cada vez mais
tudo o que uma crença assim
tinha de não essencial,
de anedótico,
de quase irrisório.
Primeiro porque não passa de uma crença,
que não se pode provar e que nada prova
- a não ser a mescla de ignorância
e de angústia que a suscita.
Depois, e sobretudo,
porque essa crença passa
á margem do essencial.
Ressurreição ou não,
que é que isso muda no valor
do amor, da justiça, do perdão?
E que isso muda, mesmo,
no sofrimento, na miséria, no horror?
A fé?
A esperança?
Cristo não tinha nem uma nem a outra,
explica Tomás de Aquino,
pois que apenas se pode crer e esperar
com a condição de não saber.
O argumento só é válido, claro,
na Suma Teológica,
porque se pressupõe a divindade de Jesus,
e, portanto sua onisciência.
Uma afirmação assim,
na pena do Doutor Angélico
( "Cristo não teve nem a fé nem a esperança" ),
confere, todavia, mesmo para os crentes,
um sentido singular
- singularmente forte,
singularmente exigente -
ao que um livro famoso chama,
é esse seu título,
"a imitação de Jesus Cristo".
Como imitar a esperança ou a fé dele,
se ele não tinha nem uma nem outra?
Como imitar outra coisa dele
senão o conhecimento e o amor?
Ponto em que juntamos a Spinoza,
mas não quero demorar-me aí.
Digamos, antes, que para o ateu que sou
a observação de Tomás de Aquino
("Cristo não teve a fé e a esperança, porque há imperfeição nelas; mas, no lugar da fé ele teve a visão a descoberto, e, no lugar da esperança, a compreensão plena"),
mesmo dependente de outra interpretação,
expressa por certo o essencial:
-o que Cristo sabia desde sempre,
se fosse Deus,
o que talvez tenha compreendido aos poucos,
se fosse apenas um homem,
como creio,
não foi simplesmente
que é o amor que salva,
não a fé,
não a esperança
(ou a fé somente no amor,
a esperança somente no amor),
que é o amor que é Deus,
e que isso é verdade desde agora,
já aqui na terra,
que não se deve esperar outra salvação
além do amor,
outra religião além de amar,
e tanto pior para nós
se não somos capazes disso,
se falta-nos sempre o amor,
se o ódio e a violência
vencem incessantemente
e nos arrastam...
Acontece-me pensar
que foi isso que Cristo
só compreendeu na cruz
- "Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?" - onde é nosso irmão realmente,
e o mais humano de todos os deuses:
porque conhece afinal
nossa solidão,
nossa miséria,
nosso desespero,
porque está do lado
dos fracos e das vítimas,
definitivamente,
porque é o único deus trágico,
aquele que sofre,
aquele que morre,
aquele que não é um deus,
porque descobre que o amor
jamais salvou ninguém,
e que é, contudo,
a única salvação
que se possa humanamente
desejar...
Enceta Tragoedia :
Deus está morto,
a humanidade começa,
e sempre
- numa cruz-
recomeça...
do Livro Bom Dia, Angústia! - p147 - André Comte-Sponville
é isso Moça Bonita
cARLos
Amigooo
ResponderExcluirbeijo
esse post eu gostei,o motivo ,,,o dono do blog sabe.
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