terça-feira, 7 de junho de 2011

Memories of Green




Lá no fundo está a morte,
mas não tenha medo.


Segure o relógio com uma mão,
pegue com dois dedos o pino da corda,
puxe-o suavemente.


Agora se abre outro prazo,
as árvores soltam suas folhas,
os barcos correm regata,
o tempo como um leque
vai se enchendo de si mesmo
e dele brotam o ar,
as brisas da terra,
a sombra de uma mulher,
o perfume do pão.


Que mais querer,
que mais quer?

Amarre-o depressa a seu pulso,
deixe-o bater em liberdade,
imite-o anelante.

O medo enferruja as âncoras,
cada coisa que pôde ser alcançada
e foi esquecida
começa a corroer
as veias do relógio,
gangrenando o frio sangue
de seus pequenos rubis.


Lá no fundo está a morte
se não corremos,
e chegamos antes
e compreendemos
que já não tem importância. ...

Julio Cortázar


e é isso moça bonita
o medo enferruja as âncoras
neste mar de medo e fúria
na indecisão de nossas vidas


não é?


beijos

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Vou Ficar Nu Para Chamar Sua Atenção



CONFITEOR



Esqueço meus
animais trancados


Minha mão
alimentante vaga
entre outras idéias,
outras sagas.

Esqueço
quem conquistei,
esqueço
animais trancados.

Acostumo,
adestro
e amestro,
faço mil exigências
e não perdôo.

Depois enjôo.

Deixo-os chorando
sobre o pão e o prato.

E parto

Por quê matar
e depois chorar
de saudade?

E matar em si também
tantas histórias,
como quem
se nega o alimento,
ou entrega
o próprio filho ao leito
para entregá-lo
ao fuzilamento?

E potes de cinzas,
quantos possuo
espalhados pelo jardim,
sob a cama,
e dentro das gavetas
também,
ai de mim,
ai de todos
que deixei
coletando as lágrimas
com que fiz
tristes colares
que apertam o pescoço!

Sofri muito
e vivi só
a maioria
dos meus anos,
bradando,
fazendo alvoroço...

Mas confesso
que tenho no peito
um assassino instinto
que preza chorar
os animais extintos,
sem lembrar
que é minha
a ânsia
de matar.

in EU NO ESPELHO, 1999
Clélia Ronamo

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e é isso?
Você não viu?
Você não ouviu?
...prá chamar sua atenção!


Antonio Carlos


...


2011

sexta-feira, 3 de junho de 2011

My Little Boat



Um final de tarde
Sol amarelo e quase fraquinho
Brisa leve soprando gostoso
Palmeiras desalinhadas
Teus cabelos desalinhados
Uma praia qualquer do Nordeste
O mar de esmeralda espumante
Ao fundo canta Karrin Allyson
Te abraço
Esperamos a noite
Ver estrelas abraçados
é tão bom


e o barquinho vai.




Não é moça bonita?

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Eu não Vou Mais Deixar Você Tão Só



Por que, á luz de um sol de primavera
Urna floresta morta? Um passarinho
Cruzou, fugindo-a, o seio que lhe dera
Abrigo e pouso e que lhe guarda o ninho.

Nem vale, agora, a mesma vida, que era
Como a doçura quente de um carinho,
E onde flores abriram, vai a fera
— Vidrado o olhar — lá vai pelo caminho.

Ah! quanto dói o vê-la, aqui, Setembro,
Inda banhada pela mesma vida!
Floresta morta a mesma cousa lembro;

Sob outro céu assim, que pouco importa,
Abrigo á fera, mas, da ave fugida,
Há no meu peito urna floresta morta.



Pedro Kilkerry

é isso moça bonita
e nunca mais eu vou deixar você
tão só...


beijo

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Magic



Por que este nome, ao sol?
Tudo escurece
de súbito na casa.
Estou sem olhos.
Aqui decerto guardam-se guardados
sem forma, sem sentido.
É quarto feito
pensadamente para me intrigar.
O que nele se põe assume outra matéria
e nunca mais regressa ao que era antes.

Eu mesmo, se transponho
o umbral enigmático,
fico a ser, de mim desconhecido.

Sou coisa inanimada, bicho preso
em jaula de esquecer, que se afastou
de movimento e fome.
Esta pesada
cobertura de sombra nega o tato,
o olfato, o ouvido.
Exalo-me.
Enoiteço.
O quarto escuro em mim habita.
Sou
o quarto escuro.
Sem lucarna.
Sem óculo.
Os antigos
condenam-me a esta forma de castigo.



Carlos Drummond de Andrade

e é isso moça bonita
enquanto isso...
EXALO-ME!

terça-feira, 31 de maio de 2011

Autumn In New York



Passeiam as belas, à tarde, na Avenida
que não é avenida, é longo caminho branco
onde os vestidos cor de rosa vão deixando,
não, não deixam sombra alguma, em mim é que eles deixam.

Passeiam, à tarde, as belas na Avenida.
São tão belas como as vejo, ou mais ainda?
Só de passar, só de lembrar que passam, a beleza
nelas se crava eternamente, adaga de ouro.

Passeiam na Avenida, à tarde, as belas,
as sempre belas no futuro mais remoto.
Pisam com sola fina e saltos altos
de seus sapatos de cetim o tempo e o sonho.

À tarde, na Avenida, passeiam as belas,
seios cuidadosamente ocultos mas arfantes,
pernas recatadas, mas sabe Deus as linhas perturbadoras
que criam ritmos, e o caminho branco é todo ritmo.

Na Avenida, passeiam as belas, à tarde,
no alto da cidade que entre árvores se apresta
para o sono das oito da noite e não sabe que as belas
deixam insone, a noite inteira, uma criança deslumbrada.



Carlos Drummond de Andrade

e você bela?
por onde passeias?


me diz...


bj

sábado, 28 de maio de 2011

Palavras e Silêncio



Na primeira noite
Eles se aproximam
E colhem uma flor
Do nosso jardim
E não dizemos nada.
Na segunda noite
Ja não se escondem:
Pisam as flores,
Matam nosso cão
E não dizemos nada.
Até que um dia
O mais frágil deles
Entra sozinho em nossa casa,
Rouba-nos a lua e,
Conhecendo nosso medo,
Arranca-nos a voz da garganta
E porque não dissemos nada,
Já não podemos dizer nada.

Maiakowsky


e é isso
já não podemos dizer nada amor...

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Deslizes




Amor?
Amar?
Vozes que ouvi, já não me lembra onde:
talvez entre grades solenes,
num calcinado e pungitivo lugar que regamos
de fúria, êxtase, adoração, temor.

Talvez no mínimo território acuado
entre a espuma e o gnaisse, onde respira
- mas que assustada! uma criança apenas.

E que presságios de seus cabelos se desenrolam!
Sim, ouvi de amor, em hora infinda,
se bem que sepultada na mais rangente areia
que os pés pisam, pisam, e por sua vez - é lei - desaparecem.

E ouvi amar,
como de um dom a poucos ofertado;
ou de um crime.

De novo essas vozes, peço-te.
Esconde-as em tom sóbrio,
ou senão, grita-as à face dos homens;
desata os petrificados;
aturde os caules no ato de crescer;
repete: amor, amar.

O ar se crispa, de ouvi-las;
e para além do tempo ressoam,
remos de ouro batendo a água transfigurada;
correntes tombam.

Em nós ressurge o antigo; o novo;
o que de nada extrai forma de vida;
e não de confiança,
de desassossego se nutre.

Eis que a posse abolida na de hoje se reflete, e confundem-se,
e quantos desse mal um dia (estão mortos) soluçaram,
habitam nosso corpo reunido e soluçam conosco.


Carlos Drummond de Andrade

e é isso!

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Si voy a perderte





ENTRE AS COLINAS

Entre as colinas,
quando vos sentardes à sombra fresca
dos álamos brancos,
partilhando da paz e da serenidade dos campos
e dos prados distantes,
então que vosso coração diga em silêncio:
"Deus repousa na Razão".
E quando bramir a tempestade,
e o vento poderoso sacudir a floresta,
e o trovão e o relâmpago proclamarem
a majestade do céu,
então que vosso coração diga
com temor e respeito:
"Deus age na Paixão".
E já que sois um sopro na esfera de Deus
e uma folha na floresta de Deus,
também devereis
descansar na razão e agir na paixão.

Khalil Gibran


então é isso
quando a gente sente
de toda maneira
tem que se guardar

terça-feira, 24 de maio de 2011

Complicados demais





 Belos olhos que fingem não me ver
 Mornos suspiros, lágrimas jorradas
 Tantas noite em vão desperdiçadas
 Tantos dias que em vão vi renascer;
 Queixas febris, vontades obstinadas
 Tempo perdido, penas sem dizer,
 Mil mortes me aguardando em mil ciladas
 Que o destino me armou por me perder.
 Risos, fronte, cabelos, mãos e dedos
 Viola, alaúde, voz que diz segredos
 À fêmea em cujo peito a chama nasce!
 E quanto mais me queima, mas lamento
 Que desse fogo que arde tão violento
 Nem uma só fagulha te alcançasse.


 Louise Labé


então é isso dona moça
beijo