Não, eu não quero prazer!
Eu quero alegria!
Era isso o que dizia
uma das amantes de Tomás,
o médico de A Insustentável Leveza do Ser.
E Tomás ficava perdido
porque prazer ele sabia dar,
é coisa de receita fácil,
mora no corpo.
Mas alegria é coisa mais sutil,
mora na alma,
no lugar das fantasias e da saudade.
Há um jeito fácil de saber
se o que se sente é prazer ou alegria.
Basta prestar atenção no corpo.
Se ele for ficando
cada vez mais pesado, é prazer.
Se for ficando
cada vez mais leve, é alegria.
Todo mundo já experimentou isso
num churrasco ou numa feijoada,
a comida é gostosa,
agrada boca e nariz,
boca sempre cheia,
dentes incansáveis,
mais uma cervejinha e, aos poucos,
a gente vai ficando desanimado,
estufado, incomodado,
não agüenta mais.
Pena que o costume romano
de ter um vomitório
em cada refeitório tenha sido esquecido,
quem sabe algum arquiteto imaginoso
vai convencer um dono de restaurante
a introduzir tal progresso
no seu estabelecimento.
O prazer é sempre assim
– ao final o corpo diz:
Chega! Não agüento mais!
E isso é verdade também
para as coisas do amor carnal.
No ônibus a mocinha incansavelmente
se dedicava a abraçar, acariciar, apalpar,
beijar, mordiscar o namorado,
coitadinha, pensando que assim
os desejos dele seriam acesos
de forma incontrolável
e ele nunca mais a abandonaria.
Fiquei com dó dela,
por não entender das coisas do prazer,
e dele, pois de forma alguma
gostaria de estar na sua pele.
O final, que não presenciei,
era inevitável: ela seria mandada embora.
E era justamente isso
que o Tomás fazia
com todas as suas amantes:
não deixava que nenhuma delas
dormisse em sua casa.
Terminada a orgia do amor,
tratava de chamar um táxi
e despachá-las para suas casas,
porque sua maquineta de prazer
não era realejo que fica tocando
enquanto se gira a manivela.
Há manivelas que,
depois de algumas voltas,
se recusam a girar de novo,
ficam emperradas.
Assim é a máquina do amor
– tanto nos homens quanto nas mulheres.
Com a alegria é diferente.
O corpo vai ficando cada vez mais leve;
quanto mais come,
com mais fome fica.
Você vai dizer que não pode ser,
que não existe jeito
de comer sem se encher.
Pois eu digo que tudo tem a ver
com a fome que se tem
e com a comida que se come.
Foi justamente isso
que pôs meu realejo de pensamento
a funcionar.
E esse realejo, posso assegurar,
não precisa de manivela
para produzir música,
é moto-contínuo,
movido por alegria,
pois pensar é uma alegria,
brincar com as idéias,
como se fosse criança brincando:
criança não se cansa,
só pára de brincar
por imposição dos superiores,
pois brinquedo,
além de dar prazer,
dá alegria também.
E é por isso que mesmo quando
o corpo é obrigado a parar,
a cabeça desobedece
e continua a brincar.
O que não é o caso do prazer,
pois quem seria louco
de continuar a comer
a feijoada no pensamento,
se o estômago não agüenta mais?
Barriga que se encheu
gostaria mesmo é de se esquecer
do que comeu...
Uma outra diferença é que o prazer,
para acontecer, precisa que a coisa exista.
Ele precisa da feijoada,
do churrasco,
da boca que dá o beijo.
Já a alegria, para haver,
não precisa que a coisa exista.
O que me faz pensar
que ela deve ser
mais divina que o prazer pois,
a se acreditar no Riobaldo,
Deus é aquele que é,
mesmo quando não existe.
A alegria é coisa de criança.
Pois criança se alegra
com qualquer coisa,
bolinha de gude, pião,
casa de toquinho,
torre de dominó,
panelinha de fazer comidinha,
coisa do mundo de faz-de-contas.
E percebi que também sou assim.
Claro que meu pensamento
sabe trabalhar as coisas importantes.
Mas quando ele está livre
e não lhe dou uma tarefa a cumprir,
ele anda vagabundo como criança,
do jeitinho do Menino Jesus
como conta Alberto Caeiro,
brincando com idéias sem importância,
como os riachinhos, as cachoeiras,
as saracuras, os pintassilgos,
os pica-paus, as araucárias,
um inútil monjolo velho,
um forninho de barro que ainda não fiz,
as galinhas d’angola que ainda não estão lá,
uma casinha que vou fazer para a minha neta,
tudo lá nos ermos da Mantiqueira,
mesmo quando lá não estou,
só na imaginação,
que é o lugar onde a alegria vem,
me faz virar menino
e começo a voar como o Peter Pan.
Pra quem não sabe,
é bom prestar atenção.
Assim também é o amor.
Para alguns, a dita pessoa amada
é só objeto de prazer,
feijoada, comeu, gostou, ficou cheio, enjoou...
Para outros a pessoa amada
é alegria leve do pensamento,
que brinca com ela mesmo quando está longe.
Esses estarão sempre com fome...
Ruben Alves - 31/7/93 - in Teologia do Cotidiano
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e eu ?
sempre com muita fome de ti
moça dos lábios carmin
delirantes
e dos olhos faiscantes
assim
e é isso!
Antonio Carlos
Saudades...
Assista até o final ...genial!
é isso Moça Bonita
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