40 GRAUS DE FEBRE
Pura?
Que vem a ser isso?
As línguas do inferno
são baças,
baças como as tríplices
línguas do apático,
gordo Cérbero
que arqueja junto à entrada.
Incapaz
de lamber limpamente
o febril tendão,
o pecado, o pecado.
Crepita a chama.
O indelével aroma
de espevitada vela!
Amor, amor,
escassa a fumaça
rola de mim
como a echarpe de Isadora,
e temo
que uma das bandas
venha a prender-se na roda.
A amarela
e morosa fumaça
faz o seu próprio elemento.
Não irá alto
mas rolará em redor do globo
a asfixiar o idoso e o humilde,
O frágil
e delicado bebê no seu berço,
a lívida orquídea
suspensa do seu jardim suspenso no ar,
diabólico leopardo!
A radiação faz
que ela embranqueça
e a extingue em uma hora.
Engordurar os corpos
dos adúlteros
tal qual as cinzas de Hiroshima
e corroê-los.
O pecado.
O pecado.
Querido, a noite inteira
eu passei oscilando,
morta, viva,
morta, viva.
Os lençóis opressivos
como beijos de um devasso.
Três dias.
Três noites.
água de limão, canja
Aguada, enjoa-me.
Sou por demais pura
para ti ou para alguém.
Teu corpo
magoa-me
como o mundo magoa Deus.
Sou uma lanterna —
minha cabeça uma lua
de papel japonês,
minha pele de ouro laminado
infinitamente delicada
e infinitamente dispendiosa.
Não te assombra
meu coração.
E minha luz.
Eu sou, toda eu,
uma enorme camélia
esbraseada e a ir e vir,
em rubros jorros.
Creio que vou subir,
Creio que posso ir bem alto —
As contas de metal ardente
voam, e eu, amor, eu
sou uma virgem pura
de acetileno
acompanhada de rosas,
de beijos, de querubins,
do que venham a ser
essas coisas rosadas.
Não tu, nem ele
Não ele, nem ele
(Eu toda a dissolver-me,
anágua de puta velha) —
ao Paraíso.
Sylvia Plath - tradução de Afonso Félix de Souza
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